Visitando Guilherme de Almeida
A Casa da Colina
Misteriosamente, acertamos nossos ponteiros. Dia qualquer, hora incerta, desde que parecesse um fim de tarde primaveril. Iria me encontrar com o dono da Casa da Colina. Ele não faltou: elegante, terno cinza, cabelos alinhados, olhar firme e doce. Transcendem simpatia, paciência e acolhimento. Assim, começava o descobrimento. Então ousei:
“Possível seria?
Que o dono da casa
Fosse o meu guia?”
Acenou positivamente e, enquanto abria o portão, e dizia:
“A casa na colina é clara e nova
a estrada sobe, para,
olha um instante e desce”.
O terracinho ficou maior quando adentramos no hall. Começava o desfile de assinaturas ilustres penduradas nas paredes claras: Di Cavalcanti, Lasar Segall , Malfatti, Flexor, Gomide e mais alguns. De repente, um Brecheret suplicante: “Sóror Dolorosa”. Depois, retratos, paisagens, detalhes compunham a mostra ao lado de poemas esboços, manuscritos cheios de talento em vitrinas iluminadas, desenhos heráldicos, até chegarmos a uma pequena sala de leitura – quase uma capela – , onde entronizado está um Ulisses das primeiras safras, rodeado de outros querubins literários.
Contra a parede, um carrilhão, que ele descreve:
“Assusta-se e foge o
enorme tempo que dorme
no velho relógio”
No melhor estilo arquitetônico das residências paulistanas dos anos 40, já estávamos na sala de jantar, de móveis escuros e senhoriais. Antes de qualquer diálogo, comentou:
“Havia uma rosa
no vaso. Veio do ocaso
a hora silenciosa”
Estão harmoniosamente espalhadas as porcelanas, as galés, a prata e os cristais. E, nas paredes, repetem-se as assinaturas comentadas. Ao voltarmos para o hall, dois lindos retratos, um dele, outro de Baby, a amada.
Uma escada desafiante nos leva à intimidade. Dois quartos. O do casal, o mais importante, ganha descrição do dono:
“Dentro, rendas, cristais, flores…Em cada
canto, a mão da mulher amada e bela
punha um riso de graça. Tagarela,
teu cenário cantava à minha entrada”.
O outro quarto acumula, ordenadamente, mais livros, mais documentos, relíquias, recuerdos.
Fitando-me, filosofa:
“Só no
nosso
sono
somos
sós; só
nós, só
sono.
Dalí, mais uma escada muito especial e chegávamos ao Himalaia, o topo do seu mundo: a mansarda. Depois da imersão total, éramos náufragos salvos na sua praia encantada. Centenas de livros. Os mais variados, os mais sedutores sob a ótica multifacetada do dono da Casa da Colina. Máquina de escrever – sua metralhadora -, um capacete de 32 e um fuzil. Medalhas, placas, objetos pessoais, canetas iluminadas de talento, lembranças e mais livros, seus amigos inseparáveis. Apenas duas janelas possibilitam o vai-e-vem do seu mundo com o nosso mundo. Olhando o Pacaembu imenso, fala:
…” Os caixilhos de ferro e as cortinas de chita…
…E o dia em sol maior nas pautas da persiana.
Nossos olhares se cruzam mais uma vez. Bondade e ternura brilham nos seus olhos inquietos. Agradeço o passeio fantástico. Entristecido, sei que nos restam poucos instantes de convívio. Um penetrante perfume de rosa invade o ambiente e ele, pela outra janela, se desfaz na direção oeste, onde fica a sua Campinas. Da sua voz, ecoa:
“Sem
mim
em
mim?
Sim:
FIM”.
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VISITE A “CASA GUILHERME DE ALMEIDA”
Advogado, poeta, tradutor e jornalista, o Antigo Aluno Guilherme de Almeida (1890-1969-81 ª Turma/1912), considerado um dos “príncipes dos poetas brasileiros” *Viveu entre 1946 e 69 na Rua Macapá,187, no Pacaembu, Capital paulista. Ao lado da sua esposa e eterna musa, Baby de Almeida, a casa projetada pelo arquiteto Silvio Jaguaribe Ekman é um exemplo concreto das tendências urbanísticas da época. Repleto de razão, o poeta carinhosamente a apelidou de a “Casa da Colina” e é descrita, na época, como sendo um “refúgio intelectual e ponto de encontro da inteligência artístico-literária paulistana” E tudo indica que voltará a sê-lo.
Totalmente restaurada, desde dezembro passado, sob a denominação de “Casa de Guilherme de Almeida”, o imóvel histórico abriu suas portas para receber visitantes e interessados em mergulhar graciosamente no universo almeidiano. E, por alguns momentos, transitar no cotidiano onde viveu um dos mais emblemáticos integrantes do movimento literário que desaguou na “Semana de Arte Moderna”, no ano de 1922, em São Paulo. Arrebatador e polêmico, o Antigo Aluno das Arcadas Guilherme de Almeida, engajadíssimo, ajudou a repercutir aquele que se tornou um dos eventos de maior importância no cenário intelectual brasileiro.
Com amplo calendário de atividades, sob a direção do poeta Marcelo Tápia e eficiente equipe de simpáticos colaboradores, a “CGA” é um órgão da Secretaria do Estado da Cultura e também abriga o “Centro de Estudos de Tradução Literária”. Além de harmoniosa exposição de pinturas, gravuras, reproduções especiais, estão caprichosamente expostos objetos pessoais do ilustre casal e , devidamente catalogados, perto de 5.000 volumes da biblioteca particular do poeta. Recomendamos o acesso ao site www.casaguilhermedealmeida.org.br para obter maiores informações sobre mais esta opção de lazer e cultura na cosmopolita e trepidante Capital paulistana.(CRC)
*”Príncipe dos Poetas Brasileiros” ´é um título que acompanha a biografia de três queridos escritores nacionais, eleitos pelos leitores de veículos de circulação nacional: Olavo Bilac(indicado, nos anos 20, pela revista “Fon Fon”), Guilherme de Almeida (indicado pelo jornal “Correio da Manhã”, nos anos 50) e mais recentemente, na década de 70, Paulo Bonfim, pela revista “Manchete”. Os dois últimos, como sabemos, Antigos Alunos das Arcadas.