O TEMPO QUE PASSA E O TEMPO QUE PERMANECE NAS ARCADAS

Ministro José Gregori

Em primeiro lugar, obrigado por ter sido lembrado em um evento que me enche de emoção: receber com civilização e respeito quem passou tanto tempo estudando, se esforçando, se ajeitando para transpor a espinhosa barreira do vestibular. Começar a pisar firme naquilo que até então era sonho, não merece ser destratado, pelos que já passaram por isso e devem ter um gesto de acolhimento e não de hostilidade.

Parabéns, portanto a quem teve a ideia e os esforços para a realização desta recepção aos novos acadêmicos de Direito, que é claro tive no Dr. Madia a mola mestra.

Agora olhando para esta plateia tão jovem, tão vibrante, tão cheia de futuro, o que eu, com um pé no outono € outro no inverno, posso dizer que seja de interesse de quem começa a viver a primavera? 

Fiz esse percurso de vocês; submeti-me a essa mesma transição. Sei dos seus riscos e fascínios e posso dizer: Valeu a pena!!!

A vida é tão diversificada e mutante que é difícil — ou impossível — recompô-la e dizer: essa fase foi importante, ou, ainda esta outra foi mais importante. São milhares as esquinas cruzadas, que é quase impossível distinguir valorando-as: essa foi acertada, essa foi equivocada.

Mas feita esta ressalva geral, essa fase ou momento do ingresso na faculdade, em que vocês estão, é uma das mais importantes. Muda a escola, muda o horizonte, muda a rotina. É tudo novo como a água pura da bica. Em termos teatrais: mudam os personagens, muda a peça, muda o cenário. E o fascinante é constatar que de uma geração para outra, muda tudo também. O meu São Paulo, o meu Brasil, o meu mundo que existiam no meu momento de ingresso nessa faculdade são outros, que não os do tempo de vocês. 

Vocês podem trazer o computador no pulso e eu, no meu tempo, trazia o relógio de corda, que com o progresso, passou a ser de pilha… É difícil tentar aproximações dos tempos, salvo se entendermos que o formato, o mecanismo da bússola mudou, mas continuam os mesmos, rigorosamente os mesmos, os pontos cardeais.

E assim, me atrevo a dizer que as lutas, os sonhos e esperanças que tínhamos no meu tempo foram úteis e alargaram espaços para os caminhos atuais de vocês.

Valeu a pena nós termos lutado pela democracia; valeu a pena lutarmos para que a mulher tivesse seu espaço de direitos cada vez maior; valeu a pena lutar para que o Brasil acreditasse nele próprio e fosse – quem diria — capaz de fabricar avião; valeu a pena lutar para uma justiça mais igualitária, que não distinguisse o poderoso do homem comum, e ambos sentindo igualmente o peso da lei; valeu a pena que o trabalho doméstico ganhasse um nível de interesse e importância do trabalho financeiro.

O poeta Fernando Pessoa disse: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Eu digo: – Tudo vale a pena quando a alma não se acomoda.

A curiosidade bem orientada e a indignação com o que fere nosso sentimento de justiça são duas chaves para vocês aproveitarem bem o novo período de suas vidas.

Tive professores que me deram sono e outros que me despertaram. Mas de todos, sem exceção, retirei algo. Fosse da matéria curricular, fosse da atitude ou da maneira de ser deles face à vida. Todos não deixaram de depositar algo no meu campo de conhecimentos ou de experiência pessoal.

Isso foi possível por que a nossa escola, a velha Faculdade, é um espaço de estudo, orientação e formação que esbanja lições de toda natureza. É que ela, a velha mestra encarna os pontos cardeais a que me referi. Tudo muda é verdade, mas na sua essência, o velho território de São Francisco permanece. Embora a forma de olhá-lo possa variar há, porém, uma linha que se impõe às outras por que perdura mais tempo e é mais inclusiva socialmente, beneficiando mais gente.

Fui Ministro da Justiça, e no Ministério da Justiça, existe uma sala com as fotos de todos os Ministros. Inúmeros são os que saíram desta escola. Há para todos os gostos; mas a profundidade de visão destaca que alguns foram mais benéficos à Democracia e de seu esforço e trabalho, mais gente foi mais beneficiada. Não é questão de considerá-los melhores ou piores uns dos outros. A questão é que alguns alcançaram uma mais alta taxa de utilidade e avanço democrático do que outros.

Na vida que estão iniciando, meus amigos e amigas, não é ser melhor ou pior no campo profissional, mas obter e conseguir uma mais alta taxa de utilidade e avanço democrático. O que significa combinar: ser bom e competente no que faz e estar presente e atuante na solidariedade comunitária. Que significa ainda colaborar eficazmente para um mundo mais sustentável, mais pacifico e respeitador dos Direitos Humanos.

É isso que desejo a todos vocês. Muito obrigado.

Oração proferida pelo Ministro José Gregori (turma 1954)

aos Calouros de 2016.

Salão Nobre, 18 de fevereiro, 9 horas