Jogral Acadêmico do “Capítulo Brasília” em homenagem aos 80 anos da AAAFDUSP.

Texto – Vadim da Costa Arsky (1960)

JOGRAIS PERSONAGENS

1 – Vinicius dos Santos (2003) Castro Alves

2 – Nelson Lacava (2002) Álvares de Azevedo

3 –Wagner de Oliveira (1958) Fagundes Varela

4 – Vadim Arsky (1960) Júlio Frank

 

Introdução

Meia noite na cidade de São Paulo.

Calma e tranquilidade no vazio Largo de São Francisco.

A velha Faculdade, de portas fechadas, dorme na penumbra de suas arcadas.

Após a última badalada do sino da vizinha Igreja de São Francisco, três vultos, parecendo haver saído repentinamente das colunas seculares, vão andando silenciosamente em direção ao pátio central.

Um deles canta:

1 – Tão longe, de mim distante

Onde irá, onde irá meu pensamento…

2 – Que é isso Antônio Frederico de Castro Alves?

Estás com saudades do Carlos Gomes?

1 – Ah! O Antonio Carlos…

Ele esteve aqui outra noite.

Estava aborrecido com a voz do Brasil.

2 – Com a voz do Brasil?

1 – Sim, meu caro Manoel Antonio Álvares de Azevedo!

O programa da rádio Nacional, que começava com a abertura do Guarani.

Era o dodói do Carlinhos.

2- E aí! Não começa mais?

1 – Ele disse que trocaram a orquestração que ele fez com tanto trabalho…

3- Ele estudou no Scala de Milão…

1 – Pois é. Trocou o bonito trabalho dele por uma batucada de índio, usando a sua melodia. Um estrago geral!

3 – Aí, pisaram nos “calos” do “Carlos”!

1 – Luiz Nicolau Fagundes! Se você vier com a sua histriônica contumaz, eu vou “varre- lá” do mapa.

2 – Calma amigos. Eu acho que nós temos que nos conformar com a evolução. Ela não para!

1 – Mas você chama o achincalho de evolução? Eu acho um retrocesso!

2 – Ora, afinal o Guarani, que era um índio que cantava em italiano, foi abrasileirado.

Sinal de emancipação… de cidadania.

3 – Ei. Acho que vem alguém ali.

(gritando) Quem vem lá?

2 – Ô Fagundes! É o nosso vizinho. O Júlio Frank

1 – Johann Julius Gottfried Ludwig Frank!

4 – Que é isso companheiro! Tá me estranhando?

3 – Mas o que houve?

Você perdeu seu sotaque alemão?

4 – Não. Como vocês sabem eu falo perfeitamente várias línguas e com sotaque local. Agora estou treinando um sotaque especial para entrar na política!

Para ser aplaudido pelas massas.

2 – Você não precisa disso. Você sempre foi popular!

O mais querido professor de todos os estudantes desta nossa Faculdade.

3 – O fundador da BUCHA!

2 – O único que dorme deitado em túmulo dentro da Faculdade enquanto nós temos que ficar o tempo todo pendurados na parede…

4 – Mas… para manter o “status”, a gente tem que se atualizar, não é?

1 – Você chegou na hora! Estávamos justamente falando sobre evolução, atualização, coisas que atualmente estão sendo entendidas como destruição de tudo que foi feito e não como construção de algo novo.

4 – Mas se pode construir o novo sem destruir o velho.

3 – Também acho

4 – Basta que o velho escute o novo e o novo respeite o velho.

2 – Hum…Hum…- O ser humano, quando jovem, tem ideias renovadoras e, se o velho não as aceita, a jovem luta para assumir o poder para implantá-las.

1 – E se, ao assumir o poder, o jovem for radical na implantação das suas ideias, que já poderão não ser tão novas, perpetuar um círculo vicioso que fatalmente gerará instabilidade social pois desdenhar uma das principais fontes do direito – os usos e costumes – ou seja a tradição.

3 – Então meu caro Lamão, qual seria a solução?

4 – Colocar a tradição a serviço da evolução.

3 – Dê mais detalhes ó Julius Tedescus !

4 – Dirigir para o futuro, olhando o passado pelo retrovisor.

No caso do Brasil, promover sua evolução, sem perder de vista sua independência.

2 – Ah! A independência!! Foi quando surgiu a nossa Faculdade.

4 – Pois tomemos como paradigma esta faculdade.

Vejam: quando ela foi criada em 11 DE AGOSTO DE 1827, lecionava nove disciplinas distribuídas em cinco anos. Hoje tem 9 departamentos que gerenciam 42 disciplinas obrigatórias, com 159 créditos, mais 246 optativas, tudo também em cinco anos.

2 – Mas é ainda a mesma faculdade. “A velha e sempre nova academia.”

3 – É! Mas bem diferente dos 1.200 cursos de direito que existem hoje no país….

1- E a maioria, criada recentemente.

4 – Eis aí! Essas faculdades recentes, como não têm passado, miram apenas o presente para formular seus cursos.

1 – E o presente mostra os governantes incentivando a transformação das faculdades de ensino superior em cursos profissionalizantes para geração de empregos.

2 – Com carteira assinada.!

4 – Assim é que as novas faculdades se propõem a dar aos alunos apenas um documento que sirva como ferramenta para que ele ganhe mais dinheiro no mercado de trabalho.

3 – Na verdade, as novas Faculdades homenageiam detalhes pontuais das atividades profissionais ligadas ao Direito como se fossem disciplinas autônomas, independentes e não como componentes e integrantes do corpo maior que é o espírito do ensino do Direito.

4 – E esta Faculdade, ao manter uma ligação com a origem, através da tradição, preservou a mensagem do espírito contido na fonte primeira.

1 – E a que você atribui esta faculdade ter conseguido manter sua fonte primeira?

4 – Acredito que foi porque aceitou a presença permanente dos ideais acadêmicos, carinhosamente guardados no peito dos antigos alunos, que se recusam a ser ex-alunos.

2 – Os ideais acadêmicos?

4 – Aqueles princípios da convivência humana que, afinal, são os que, efetivamente, garantem a paz social, objeto final do estudo do direito nesta faculdade e que podem ser sintetizados nas diretrizes da nossa querida e saudosa “Burschenschaft” :

FÉ – ESPERANÇA e CARIDADE.

4 – Para melhor compreensão do que digo, proponho agora aos meus amigos poetas uma brincadeira de sinonímia na língua portuguesa:

Digam-me um sinônimo de FÉ que se inicie com a letra ‘A’

1 – ALMA!

2 – APOSTOLADO

3 – AMIZADE.

4 – Fiquemos com a palavra AMIZADE.

Agora um sinônimo de ESPERANÇA.

3 – ASPIRAÇÃO

2 – ADVENTO

1 – ALTRUÍSMO

4 – ALTRUÍSMO fica bem.

E agora, um sinônimo para CARIDADE. Iniciando com a letra A

3 – Essa tem muitos. AUXÍLIO, AJUDA

1 – ABRIGO, ARRIMO, APOIO

2 – AMPARO.

4 – Fiquemos então com AMPARO e vejamos como se escreve FÉ –ESPERANÇA e CARIDADE com essas três palavras iniciadas por A

TODOS – AMIZADE.

ALTRUÍSMO

AMPARO.

4 – E constatem que essas três palavras representam o espírito das três letras “A” da …

TODOS ASSOCIAÇÃO DOS ANTIGOS ALUNOS

DA FACULDADE DE DIREITO

DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO.

2 – QUE HOJE COMPLETA 80 ANOS!

4 – E, perguntou ainda, qual seria a palavra, também iniciada pela letra A, que reúne em si mesma os significados de AMIZADE, ALTRUÍSMO e AMPARO?

TODOS – A M O R!

4 – Então eu peço aos meus amigos poetas que em homenagem ao octogésimo aniversário da Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, saúdem essa instituição através das mensagens de amor contidas em suas obras.

Comecemos com o vibrante Castro Alves!

1 – Declamarei meu poema ……Como te amo!

Como se ama o silêncio, a luz, o aroma,
O orvalho numa flor, nos céus a estrela,
No largo mar a sombra de uma vela,
Que lá na extrema do horizonte assoma;
Como se ama o clarão da branca lua,
Da noite na mudez os sons da flauta,
As canções saudosíssimas do nauta,
Quando em mole vaivém a nau flutua;

Como se ama das aves o gemido,
Da noite as sombras e do dia as cores,
Um céu com luzes, um jardim com flores,
Um canto quase em lágrimas sumido;
Como se ama o crepúsculo da aurora,
A mansa viração que o bosque ondeia,
O sussurro da fonte que serpeia,
Uma imagem risonha e sedutora;

Assim eu te amo, assim; mais do que podem
Dizer-te os lábios meus, — mais do que vale
Cantar a voz do trovador cansada:
O que é belo, o que é justo, santo e grande
Amo em ti.– Por tudo quanto eu sofro,
Por quanto já sofri, por quanto ainda
Me resta sofrer, por tudo que te amo.
O que espero, cobiço, almejo, ou temo
De ti, só de ti pende: oh! nunca saberás
Com quanto amor eu te amo, e de que fonte
Tão terna, quanto amarga o vou nutrindo!
Esta oculta paixão, que mal suspeitas,
Que não vês, não supões, nem eu te revelo,
Só pode no silêncio achar consolo,
Na dor aumento, intérprete nas lágrimas.

4 – E tu, erudito Álvares de Azevedo, que tão bem perscruta a alma europeia, escolhe uma dentre as tantas que falas de AMOR.

 

2 – Direi alguns trechos do meu poema Panteísmo

Eu creio, amigo, que a existência inteira
É um mistério talvez; — mas nalma sinto
De noite e dia respirando flores,
Sentindo as brisas, recordando aromas
E esses ais que ao silêncio a sombra exala
E enchem o coração de ignota pena
Como a íntima voz de um ser amigo,
Que essas tardes e brisas, esse mundo
Que na fronte do moço entorna flores,
Que harmonias embebem lhe no seio —
Têm uma alma também que vive e sente…

 

A natureza bela e sempre virgem
Com suas galas gentis na fresca aurora,
Com suas mágoas na tarde escura e fria,
E essa melancolia e morbideza
Que nos eflúvios do luar ressumbra —
Não é apenas uma lira muda
Onde as mãos do poeta acordam hinos
E a alma do sonhador lembranças vibra…

Por essas fibras da natura viva,
Nessas folhas e vagas, nesses astros,
Nessa mágica luz que me deslumbra
E enche de fantasia até meus sonhos —
Palpita porventura um almo sopro,
Espírito do céu que as reanima,
E talvez lhes murmura em horas mortas
Estes sons de mistério e de saudade,
Que lá no coração repercutidos
O gênio acorda que enlanguesce e canta!
(…)

São ideias talvez… Embora riam
Homens sem alma, estéreis criaturas:
Não posso desarmar as utopias,
Ouvir e amar à noite entre as palmeiras
Na varanda ao luar o som das vagas,
Beijar nos lábios uma flor que murcha,
E crer em Deus como alma animadora
Que não criou somente a natureza,
Mas que ainda a relenta em seu bafejo,
Ainda influi-lhe no sequioso seio
De amor e vida a eternal centelha !

Por isso, ó meu amigo, à meia-noite
Eu deito-me na relva umedecida,
Contemplo o azul do céu, amo as estrelas,
Respiro aromas, e o arquejante peito
Parece remoçar em tanta vida,
Parece-me alentar-se em tanta mágoa,
Tanta melancolia, e nos meus sonhos,
Filho de amor e Deus, eu amo e creio!

4 – E tú, querido Fagundes, poeta solitário de múltiplos temas, que tens a nos dizer sobre o amor?

3 – Fá-lo-ei com “Sextilhas”

Amo o cantor solitário
Que chora no campanário
Do mosteiro abandonado,
E a trepadeira espinhosa
Que se abraça caprichosa
À força do condenado

Amo os noturnos lampírios
Que giram, errantes círios,
Sobre o chão dos cemitérios,
E ao clarão das tredas luzes
Fazem destacar as cruzes
De seu fundo de mistérios

Amo as tímidas aranhas
Que lacerando as entranhas
Fabricam dourados fios

E com seus leves tecidos

Dos tugúrios esquecidos

Cobrem os muros sombrios.

Amo a lagarta que dorme,
Nojenta, lânguida, informe,
Por entre as ervas rasteiras
E as rãs que os pais habitam
E os moluscos que palpitam
Sob as vagas altaneiras

Amo-os, porque todo o mundo
Lhes vota um ódio profundo,
Despreza-os sem compaixão
Porque todos desconhecem
As dores que eles padecem
No meio da criação.

4 – Vede meus caros poetas

Como desde o nascimento

Desta nobre Faculdade

A poesia conduz

E orienta a tradição,

A cultura e educação

A um só ponto de origem:

Ao Amor cuja grafia

Se inicia por um A

Como as outras três palavras

Que definem a sociedade

Que tem por objetivo

O cultivo da AMIZADE,

O exercício do ALTRUÍSMO

E a prática do AMPARO

Da qual hoje celebramos

Da qual hoje celebramos

Profícuos oitenta anos.

2- CELEBREMOS POIS O AMOR

PERFUMADO COMO A FLOR

QUE A NOSSA ESCOLA IRRADIA

PARA TODA ESTA CIDADE.

1 – E EXPRESSANDO A EMOÇÃO

QUE ENVOLVE ESTE MOMENTO

CANTEMOS, COM SENTIMENTO,

PEITO ABERTO, VOZ AO VENTO,

AS TROVAS DA FACULDADE

3 – AS TROVAS QUE NÃO TEM IDADE,

QUE, ASSIM COMO O NOSSO EXEMPLO,

TRANSCENDEM O ESPAÇO E O TEMPO

EMBALADAS NA CANÇÃO.

TODOS – AS TROVAS DA ACADEMIA,

DA ALEGRIA E DA SAUDADE,

AS TROVAS DA LIBERDADE

NASCIDAS DO CORAÇÃO.

FIM

Apresentado no dia 14 de outubro de 2011 no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.