Ulysses Guimarães
100 anos

Evandro Mesquita (Turma 1964)
Deputado Estadual por várias Legislaturas e Conselheiro de Fundação Ulysses Guimarães, redigiu o inspirado texto aqui reproduzido.

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Quem do município de Itirapina se dirige ao de São Pedro atravessa belíssima região de nosso interior, contendo planícies e planaltos, entremeados por montes, serras, encostas, talvegues, riachos e para onde, por sua condição de centro geográfico do Estado, já se pensou em transferir a capital.

A meio caminho da estrada que leva o nome de Ulysses Guimarães, depara-se pequeníssima vila, dessas que em tempos idos se costumava chamar de Patrimônio, com o nome de Itaquiri da Serra, antigamente integrante do município de Rio Claro. Apenas com duas travessas, a rua central finda em singela praça ao derredor de Igreja dedicada a Nossa Senhora da Conceição, e na esquina da praça e à esquerda da Igreja, sombreia velha e expressiva figueira, ainda frondosa e foi sob suas ramagens que Ulysses Guimarães, acadêmico recém formado pela nossa Academia (turma de 1940), terá pronunciado seu primeiro discurso político-eleitoral. Nesta mesma rua central remanesce a residência em que Ulysses nasceu, aos 06 de outubro de 1916, filho de Ataliba Guimarães, coletor federal e Amélia Correa Fontes, professora primaria.

A contemplação da figueira conduz a inevitáveis sentimentos de similitude entre a pujante, longa e relevante vida publica de Ulysses e a grandeza e utilidade da arvore igualmente centenária.      

Relevante foi a ativa participação de Ulysses na política universitária em nossa Academia, que cursou entre 1936 e 1940. Assim, integrou a chapa do Partido Conservador, vencendo as eleições para o XI de Agosto em 1938, tendo como Presidente Trajano Puppo Neto (t.1939) e secretario Jânio Quadros ( t.1939), sendo eleito orador oficial.

Na saudação aos calouros do ano disse, em definição da Solidariedade Acadêmica:

“Eis o segredo de nossa força, a poesia maior de nossa mocidade. Ela nos vinculará através de toda nossa existência, por intermédio dos liames tecidos pelos dedos doloridos da saudade. Nunca mais nos esqueceremos do sino centenário, chamando-nos às aulas com repiques estrídulos, como querendo despertar de vez aqueles que ainda traziam os olhos machucados pelo sono. Sino da Academia, sinos de São Francisco (…)

Tudo tão bom, simples e perfeito…. Para nós, os veteranos, o tempo já iniciava a tarefa sacrílega de tragar tudo isso com a guela insaciável do passado.

Com a festa desta noite, iniciam-se novos praticantes no evangelho das prerrogativas acadêmicas. Cessa oficialmente o árduo período de noviciado que é o trote. Os que hoje são recebidos, apenas veem de transpor os umbrais de uma porta, da qual nos aproximamos cada vez mais e mais, para finalmente sair com as responsabilidades de uma profissão.”

Recebeu o premio do maior Prosador das Arcadas, como melhor escritor de poesia e prosa da Faculdade em 1939.

Com o colega Antônio Sylvio da Cunha Bueno (t.1941) participou ativamente de campanha para construção do prédio Casa do Estudante, editando um livro “Poesia nas Arcadas”, reunindo poemas dos estudantes no mesmo período, vendido para arrecadar recursos.

Ainda com Cunha Bueno iniciou escritório de advocacia até 1942, quando foi nomeado para a Procuradoria do Departamento do Serviço Administrativo de São Paulo – DASP, organizado pelo Governo Federal para receber e processar reivindicações municipais. Também integrava o DASP Cyrillo Jr.(t.1908), Marrey Jr.(t.1906) e Miguel Reale (t.1934)    

Por ocasião da organização do partido político PSD em São Paulo, em março de 1945, nele ingressou e valendo-se de sua atuação de apoio em favor de pleitos municipais elegeu-se Deputado Estadual em 1947, iniciando a partir daí sua longa e intensa vida publica, renovando mandatos, presidindo a Câmara dos Deputados, sendo Ministro da Industria e Comercio e ocupando por numerosas vezes, em substituição, a Presidência da Republica.

Adveio a Resolução de 1964.

Em dezembro de 1965, o Congresso havia sido convocado para o período de férias.

O Ato Institucional nº02, de 27/10/1965, por seu artigo 18 extinguira os partidos políticos existentes e o Ato Complementar nº 04, de 20/11/1965 estabelecera regras para a formação de novos, a partir da adesão e Congressistas de tal forma que o espaço de ação permitido comportaria o surgimento de apenas 2 agremiações.

No andar inferior ao plenário do Senado, em sala onde funcionava a Comissão do Distrito Federal, seu Presidente, o Senador paulista Lino de Mattos, em uma tarde deste Dezembro, logrou reunir pequeno grupo de colegas que se dispunham a instituir um partido de oposição ao regime militar: Adalberto Sena, Oscar Passos, Nelson Maculan, Nogueira da Gama, Silvestre Péricles.

Concomitantemente, na Câmara Federal deputados liderados por Ulysses Guimarães, Franco Montoro e Tancredo Neves, assumiram a mesma posição.

Os dois grupos se unificaram dando origem ao Movimento Democrático Brasileiro, sob a Presidência do Senador Oscar Passos e a Vice Presidência de Ulysses Guimarães.

Nas campanhas da Anti-Candidatura de 1974 e das “Diretas Já”, de 1984, Ulysses logrou unificar as energias democráticas e comandou o processo de redemocratização, sabendo que do regime de força vigente somente se sairia pela força, ou por uma solução de compromisso que deveria ser amplo, que não excluísse ninguém, que fosse aceito por toda a sociedade e que representasse a realização do ideal comum de restauração do poder político e da definitiva consolidação da Democracia no Brasil.

Tendo ao seu lado Tancredo Neves, orientou a transição de um regime autoritário para um regime aberto, na paz, na ordem, na compreensão fraterna, conforme a tradição e a consciência nacionais.

Assim Ulysses, em face de homens públicos de outras origens e matizes, atravessando duvidas e cortando amarras, soube também encontrar caminhos para a redemocratização pacifica com a eleição de Tancredo Neves para a Presidência da Republica e a posse de Jose Sarney.   

Presidindo a Constituinte de 1998, Ulisses completou a somatória de majestosas contribuições para o inicio de ciclo de normalidade institucional e o decorrente desenvolvimento econômico e social. A “Constituição Cidadã” promulgada naquele ano tornou-se seu mais expressivo legado decorrente de 11 mandatos eletivos consecutivos, assim se pronunciando:

“Agradeço aos constituintes a eleição como seu presidente e agradeço o convívio alegre, civilizado e motivador. Quanto a mim, cumpriu-se o magistério do Filosofo: “o segredo da felicidade é fazer do seu dever o seu prazer”.

Todos os dias,quando divisava, na chegada ao Congresso, a concha côncava da Camara, rogando as bênçãos do céu, e a convexa, do Senado ouvindo as súplicas da terra, a alegria inundava meu coração. Era como ver a aurora, mar, o canto do rio, ouvir os passarinhos.

Sentei-me ininterruptamente nove mil horas nesta cadeira, em 320 sessões, gerando até interpretações divertidas pela não saída para lugares biologicamente exigíveis. Somada as das sessões, foram 17 horas diárias de labor, também no gabinete e na residência, incluídos sábados, domingos e feriados.

Político sou, caçador de nuvens. Já fui caçado por tempestade. Uma delas benfazeja, me colocou no topo desta montanha de sonho e de gloria. Tive mais do que pedi, cheguei mais longe do que mereci”.

Ulysses pode ser definido também como político institucional e Jurista no sentido de que sempre esteve vinculado à luta pela democratização e também ao legalismo tanto criando leis, como se submetendo a elas e a todo o ordenamento Jurídico.

Sempre disciplinado, soube honrar compromissos e a palavra empenhada no convívio parlamentar, sobremodo honrar a instituição Câmara do Deputados, sendo ao mesmo tempo fidelíssimo ao seu Partido – PMDB, simbolizando o perfil ideal do legislador brasileiro. 

Já se disse que Ulysses representa o encontro de talento com as circunstancias.

Ulysses Guimarães mais se consagra no Panteão dos grandes homens públicos brasileiros, exatamente por ter sido sempre parlamentar, conquanto nossa historia política seja pontificada por heróis forjados no Poder Executivo.

Tragado pelo oceano em Angra do Reis, ao lado da esposa Mora, aos 12 de outubro de 1992, em acidente de helicóptero, Ulysses recebeu sentidas homenagens em todo o pais, valendo lembrar, entre tantas, a eloquente manifestação do Senador Pedro Simon:

“Há um grande silencio neste plenário. Há uma grande ausência nestas salas e corredores. Não obstante o silencio e a ausência, silencio que perturba os nossos ouvidos, ausência que fere os nossos olhos, a voz forte de Ulysses Guimarães ecoa na consciência moral deste Parlamento, de nosso povo e do nosso tempo (…)

Ulysses foi o construtor, como foi – e a metáfora se impões, inarredável – navegador.(…)

Não me lembro do Dr. Ulysses nas horas de glória.

Não me lembro do Dr. Ulysses nas horas de festa, mas não consigo lembrar um momento difícil em que não tivéssemos a presença do Dr. Ulysses. Não consigo lembrar um momento de desafio, um momento de garra, um momento de luta, em que não tivéssemos a palavra e a orientação do Dr. Ulysses. (…)

Ele guarda, no seu desaparecimento, o símbolo transcendental dos esperados. Tal como D. Sebastião, provavelmente levado pelas águas do rio El Makhazin, do Saara ao vasto abismo atlântico, o mar nos negou um corpo a velar, e, com isso, nos deu a ilusão do seu retorno”.

Vale para Ulysses, a frase final por ele próprio pronunciada em homenagem ao seu partido, o PMDB, em convenção de 24 de março de 1991: 

“Que Deus te abençoe e a Pátria ateste: Cumpriste o teu dever!”